sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com

A day and a day

"Dois ou três cancros de que

vais sabendo «há pouco a fazer»,

o amigo maior de um amigo

brutalmente esmagado debaixo

de um camião. Não, não está a ser

propriamente um Inverno de contentamento.



O corpo já quase não responde

a tanta tristeza. E a casa, devagar,

fecha-se para dentro, implode. Parece

um coração, uma metáfora que te deixa

nos ombros um irrepetível cheiro a merda

e a sombra de um gato que vai morrer.



(«É a vida», deve pensar sem cérebro

- mais feliz - o teu companheiro

de jantar. Já lhe chamaste silêncio,

mas ninguém se chama assim,

ferindo o preto e branco da memória.

Assoa-se, pelo contrário, ao guardanapo

sujo de tinto da casa e acena-te com caspa

da sua vaga imortalidade. Na outra mesa, dois

corpos sussurram o inevitável calão do amor,

Muita gente, afinal, cabe neste mundo.



Da porta do bar saem depois alguns

engates e avós calcinadas

à terceira caipirinha. Um preto de óculos

que bebeu de mais acaba espancado

no passeio, sob o fervor policial do costume.



Custa ver - a vida, outro bar vazio,

sem quadros, onde beijas a ausência,

tudo o que perdidamente desamas

e não vale a pena e se dissipa sem pressa

no copo de cicuta cuja razão desconheces.)



É possível que Joachim Bernhard Hagen

tenha sido um exímio tocador do instrumento

que às vezes preferes. É um modo de acordar,

no fundo, e de perceber na pele a inutilidade

da manhã, os gestos que não serão ainda

esse amplo terreno de morte

- que depois

circunscreves a um poema

e não voltas a dormir. Odeio-te."



Manuel de Freitas



2 comentários:

Anónimo disse...

um poema que entranho estranhando-o, mas que gosto sem saber exactamente porquê.

Anónimo disse...

eu sei porque gosto, e gostar é uma palavra algo estranha para ser relacionada a este poema

enfim...

vem ao encontro do 'minuto'

; *