sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com

extra! extra!

Aguardada há alguns anos, parece que já saiu a edição da Dom Quixote!

O Homem sem Qualidades de Robert Musil
Dom Quixote, 2008
tradução de João Barrento

Soube das boas novas n'O café dos loucos

...«O livro "O Homem sem Qualidades", de Robert Musil, vai ser publicado em Portugal em quatro volumes no âmbito das obras completas do escritor austríaco, que a Dom Quixote começa a editar quinta-feira.
"Os dois primeiros volumes de `O Homem sem Qualidades` vão incluir o que foi publicado no passado em Portugal, enquanto o terceiro e quarto tomos apresentarão partes do espólio", revelou à Lusa o tradutor João Barrento, director da colecção.

groundlevel and below [ moods, talks & walks ]

fotografia de Salamandrine aka Sandra Ferrás aka Dolphin.s

Here come greetings from the fires of dusk
From all the places you never dare to walk
You never saw the silent battle zones
Beneath your towers and beyond your gardens

Was born a walker
Into this world I walk

And what's to miss about the old ball-and-chain
Imaginary top-of-the-foodchain-ways
I've found more truth in a cheap bottle of wine
I've found more life by a burning barrel

Was born a walker
Into this world I stalk

Run now, my friend
If you think you are free
Duck my friend, and cover
If you think you are safe


Here come greetings from the fires of dusk
From all the thoughts you never dared to think
From all the choices you'll never dare to make
Just a postcard from groundlevel and below

Postcard de Anywhen

Bem-estar. Sensação de conciliação. Comoção.


A minha avó materna foi a última a partir. Sempre se disse que eu, dentre as sete netas, era a mais parecida com a avó. Sendo que eu a considerava uma pessoa dura, assustava-me essa comparação que carregava desde a infância. Viver próximo da minha avó dos 20 aos 24 anos, trouxe-me as provas da beleza dela. Beleza que não era acessível a todos, pelo que poderei dizer que fui privilegiada. Vimo-la partir demasiado cedo, como sempre se vê partir um ente querido. A partida da minha avó materna implicou a ascensão de todos nós na hierarquia familiar. Cada geração passou à instância seguinte.

Há mulheres na minha família materna que parecem ter sido inspiração do filme Volver. O meu avô, falecido há vinte e cinco anos, jaz numa campa que nunca deixou de ter flores frescas. Já me aconteceu chegar ao cemitério e não ter onde colocar as flores que levara de tão cheias as duas jarras. Agora, na mesma campa, jaz a minha avó há quase sete anos.
Sete anos volvidos, uma campa dupla sempre airosa e a casa intacta. A casa intacta. Nem uma teia de aranha, apenas um ligeiro odor a casa encerrada. Cada objecto no respectivo local onde a avó os deixara a última vez que lhes tocara. As molduras com as nossas fotografias, os bibelots, os naperons feitos pela avó. Apenas a ausência de dálias na jarra junto ao telefone.
Sabendo a família que eu precisava urgentemente de cadeiras novas, as minhas tias perguntaram-me se eu queria receber aqui em casa a mobília de sala de jantar dos avós. A resposta foi imediata: sim, claro, muito obrigada por terem pensado em mim. Lá se fez a visita ritual para observação do estado de conservação dos móveis. A tia F. ia dizendo “Se quiseres levar mais alguma coisa, diz, escolhe.”. Chegara o tempo de dar mais um passo no luto dos avós. Cada um contou as histórias de que se lembrou. Derramaram-se algumas lágrimas e disse-se que a vida não deveria ser assim.

No final, trouxe uma carrinha cheia de móveis. Não fazia a mínima ideia de como os iria dispor cá em casa, pois se a casa já estava toda mobilada… mais umas horas de prazer e acabada a distribuição dos móveis pela casa, sentámo-nos a observar os vestígios de avós cá em casa. Já cá moravam: a cómoda dos meus avós paternos, junto com o chapéu dele e o xaile dela; o baú dos avós paternos dele e os paninhos da avó materna, que os continua a enviar a cada visita. Agora, acrescentados a mesa de jantar e as oito cadeiras devidas, as duas poltronas de napa, a mesinha de apoio com tampo marmoreado, os pequenos objectos como o relógio despertador verde-água e a candeia a petróleo, fica a casa completa. Cada objecto parece ter sido concebido a pensar na minha casa. Porém, o que trouxe de mais fantástico não foram os móveis ou os objectos que, de forma melhor ou pior, sobrevivem aos anos sem necessidade de cuidados. No pátio que serve de ligação da casa dos avós com as várias divisões de arrumo, há um espaço específico para as plantas da avó… volvidos sete anos, as plantas da avó mantêm-se vivas, graças aos cuidados da minha tia O.. Esta é uma das coisas que me faz estremecer por dentro. Eu não sabia que as plantas da avó lhe continuavam a sobreviver. Volvidos sete anos! Comoção. Que eu trouxesse as que desejasse. Todas, até, disse a tia F.. Trouxe 3 plantas enormes, duas estão aqui na sala comigo e uma está na varanda. Não existem palavras comuns para descrever esta espécie de sensação de conciliação com a ausência da minha avó ao olhar as plantas que foram criadas, envasadas e regadas por ela.

Bem-estar é: chegar à sala e confirmar que após estas semanas as plantas vingaram da mudança de casa; ver o verde misturado com esta maravilhosa luz da manhã; fazer um galão-margarete (leite aquecido com casca de limão, café tirado com mistura de canela no cachimbo); regar as plantas com um silencioso “bom-dia, '…” e o implícito “tenho saudades tuas”; beber o galão enquanto olho de novo o verde com a luz da manhã e o gato roça as minhas pernas ao som de Cinema de Rodrigo Leão.

... por partes (ou eu queria mesmo era aprender a conduzir uma Sportster)


Neste preciso momento, agora, aqui, é impossível não sentir o descerrar do fracasso. Que dor. Que silêncio sem ser silêncio. Apenas a ventoinha do computador, alguns passos lá fora e telefones que tocam à distância de alguns metros atrás desta porta. O mundo parece estar parado, e é precisamente aí que reside o engano.

Ontem percebi que me considero velha. Não sabia dessa opinião de mim sobre mim. Vi um grupo de 3 jovens motards numa estação de serviço. Lembrei os meus tempos de pendura e dei por mim numa afirmação mental terrível: e eu que sempre quis aprender a conduzir uma Sportster… mais uma coisa que nunca farei. Que horror! Não dei um salto de assombro no banco do expresso porque me resta alguma compostura pública. Que horror. Aos 34 anos 3 meses e 5 dias dou por mim a considerar-me encerrada para coisas que me são ainda possíveis.

(Não me conformo com este fracasso. Irrita-me que aquele sucesso não estivesse nas minhas mãos apenas.)

Não consegui transcrever as passagens do Livro dos Amores Risíveis. Azar. Leiam, é um livro com título certeiro, genial. E malicioso, pois não deixa adivinhar o génio das palavras que contém.

Ontem sofri na viagem de regresso. Tudo começou no momento em que liguei para o terminal a confirmar a hora do expresso e a moça do outro lado da linha se esqueceu de me avisar da hora de encerramento da bilheteira. À chegada ao terminal para o expresso das 21h, verifiquei que a bilheteira estava encerrada, ainda assim parecia haver por ali alguma vida. Pouca, mas alguma. Considerei-me cheia de sorte quando vi chegar um autocarro poucos minutos antes das 21h. Depressa me desenganei quando o motorista me avisou que terminava ali a sua viagem. Ainda me falou acerca do seu cansaço como se eu fora uma das principais responsáveis por tal. Tive oportunidade de lhe perguntar como seria resolvida a questão da aquisição do meu bilhete. Informou-me que “as regras da casa dizem que o motorista é obrigado a levar o passageiro”. Pois bem, muito obrigada, esclarecida senti-me mais tranquila. Entrei na espécie de sala de espera para não ser agredida pelo vento. Passados cerca de 2 minutos, esse mesmo motorista entrou na sala, dirigindo-se ao “quadro da luz” começou um movimento que me levou à audição de clicks sonoros e à percepção de escuridão crescente na sala. Após ter desligado todas as lâmpadas fluorescentes avisou-me “vou fechar a sala”. Saí de novo entregando a minha sensível face ao vento. Encerradas as luzes da espécie de sala de espera e metade das exteriores, o cansado motorista partiu sem me desejar boas noites. Acendi um cigarro. E outro. Eu e muitos metros quadrados de asfalto que compõem o piso do terminal de expressos. Eu e o exercício de esquivo a pensamentos acerca das imensas possibilidades criminosas daquele cenário do qual eu fazia parte física naquele instante. Chegaram pessoas no número de três. Percebi que aguardavam passageiros do autocarro que, esperava eu, me traria de volta a esta cidade que hoje é a minha cidade.

Quando o autocarro finalmente chegou e explanei a minha situação ao motorista tive de arcar com a sua expressão solene de momento de reflexão para decisão acerca do “meu caso”. E a minha revolta mordida nos lábios. Aquele já não era o cenário com iminentes possibilidades criminosas mas o cenário em que alguém se sente poderoso por ter em sua posse de algo que outro deseja. Para poder saborear esse momento de glória, o motorista informou-me convicto de que não me poderia transportar até Coimbra. Deixei de morder a minha revolta e informei-o das “regras da casa”. Por esta altura, o resultado do round margarete-motorista actualizou-se para 1-1. Telefonou, ou fingiu telefonar, para uma autoridade nas “regras da casa” e informou-me “Oh dona, eu levo-a mas se a polícia me mandar parar sou eu que me lixo. E tem de me dar uma caução ou o seu bilhete de identidade porque há pessoas que chegam ao destino e depois fogem para não pagar lá o bilhete.”.
O que é que eu fiz? Calei-me, claro. E dei-lhe 10 euros para a mão. Se calhar, pensavam que lhe daria a hipótese de trocar palavras comigo… no way, José! O gostinho de lhe dizer o que penso dele tem menos peso do que a minha protecção – o direito de poder interromper a comunicação o quanto antes.

Assim cheguei a esta bela cidade e assim tive de ouvir o taxista acerca das misérias que se vêm na noite de Coimbra. Estou cansada.

Estando cansada é mais do que evidente que fui premiada com uma insónia daquelas. Como tenho a mania de que sou esperta, lutei contra a insónia. Tristemente cómica. Não me levantei, não fui esfumaçar, não fui fazer outro chá, não tentei ler mais um pouco, não me liguei à net, não liguei a t.v., não pus um DVD, não ouvi música, não escrevi. Informei a insónia que o meu corpo estava exausto pelo que deveria - pelo menos - ficar em repouso na horizontal, no escuro, no silêncio. Bem feita. A insónia aliou-se ao inconsciente e tramaram um sonho que consistiu no seguinte - brilhante e singelo - enredo: dormi a noite inteira meio-enterrada numa cavidade existente no meu colchão com o formato do meu corpo e moldado para que eu tivesse de dormir limitada a uma posição apenas.
Assim, dormi na posição em que adormeci sem conseguir aliviar o corpo até de manhã. Padecendo com as dores associadas à manutenção de posturas demasiado prolongadas, este singelo enredo teve o momento alto no final: acordo com escaras no corpo.

Eis que chegamos a mais uma Sexta-feira e regresso à estranha ideia de liberdade. Porém, esta liberdade será curta, tenho demasiado trabalho para adiantar. (Digo adiantar para não sentir com tanta dureza a realidade do atraso que já levo.)

Chegada esta Sexta-feira, vejo alguém desistir imprudentemente de algo e não tenho como agir sobre tal. O fracasso. Estando eu indirectamente implicada, reflicto sobre o assunto como se fora a principal responsável. Típico. Boooring. Devo ser a pessoa que mais me entedia. Enfim. Siga.

Ontem à noite, quando regressava a esta bela cidade, ouvi Quinteto Tati e essa maravilha que é o Exílio. Depois ouvi Anywhen. Escrevia mentalmente numa aceleração que certamente mantinha a minha adrenalina bastante ocupada. Fui feliz. Pensei na quantidade de texto que escrevo apenas para mim e na relação que esse facto tem com a issue - não querer falar de publicações. Estava feliz. Escrevi tanto para mim. E não anotei num papel ou sequer gravei. Nem por isso sinto que se tenha perdido algo. Estava feliz na plenitude de ter ao meu alcance dois dos álbuns que melhor conhecem as minhas entranhas e a capacidade intacta de linguagem. Antes de adormecer, li mais um fragmento do Singer e pensei: na Sandra e em saudades; na Ana Cristina Leonardo e lembrei o livro que quero ler com o B.; na Dra. F. e na “gestão de más notícias”. Acedi na minha memória a copiosas reflexões que estão em aberto. Voltei ao efeito “A Estrada” e senti. Senti sem censura.

Despedi-me. Até amanhã. Quisera e cá cheguei. Trago comigo o texto do comprimento do meu cabelo, o desenvolvimento da viagem de táxi, as aventuras da aprendizagem de condução da Sportster, o relato do fracasso, a morte do Sr.E., a esposa do Sr.A., o luto familiar pelo velho Mercedes, as colegas das salas contíguas, uma imensidão de textos e a ausência de lamentos por não ter exclusividade de tempo para a escrita dos mesmos. Ontem sofri na viagem de regresso. E fui feliz. Devo ser a pessoa que mais me entedia. Sou a pessoa que mais me entretém.

Hoje o meu abdómen é um nó e eu sei como viver com ele.

'A


bom fim-de-semana, gentes...

Ora porra.

Venho, por este meio, desejar uma bela e prolongada diarreia aos energúmenos que roubaram o carro da minha família. Filhos duma grande mãe desgostosa ou igualmente energúmena como eles! O carro do meu pai! Como se atrevem?! O nosso carro. O carro dos nossos passeios. O carro em que eu viajava sempre apoiada entre os dois bancos da frente (para poder ouvir a conversa dos meus pais). A nossa banheira amarela. O badalado carro que foi da Alemanha, por encomenda especial, para o Canadá com extras XPTO. Jantes não-sei-quê e pára-choques-não-sei-que-mais. Mercedes Benz, ouvimos o meu pai repetir tantas vezes com a devida entoação de sonho... até que conseguiu realizá-lo. O nosso 240D especial com 30 anos. Para nós, um vintage. O carro do meu pai. O carro cuja colocação e acondicionamento no contentor para a longa viagem de barco para Portugal fez daquele um dia inesquecível. A nossa bombazita velhinha e amarela com a estrelita reluzente à frente.
Mom weeps and dad's on that silence. Não lhes (nos) roubaram um carro, roubaram o carro da família. O Carro da Praia, como dizem as minhas sobrinhas, pois o seu destino principal nos últimos anos tem sido a Nazaré. Queremos o carro da nossa família de volta. Porra.

(sobre o silêncio)

Entre o silêncio e o crepitar do lume, deixei o livro de lado. Acabo um capítulo. Silencio-me. Só dou conta disso cerca de uma hora depois. Entretanto, dedico-me a cozinhar, preparo arroz de polvo. Penso no mar que vi de manhã, relembro o que senti. Tento recordar a estranha cor do mar desta manhã. Luto uma vez mais com o vento. Acabo de colocar primorosamente cada cacaréu na mesa. O almoço está pronto.
A refeição celebra-se na quase total mudez. Com interrupção para o cumprimento à cozinheira – Está delicioso, como sempre.
Raramente tenho azar na cozinha. Talvez o motivo resida no amor - prazer – com que me sereno frente ao fogão. Aprecio cada momento. Tudo realizado com tonalidades de ritual. Foi sempre assim. Fui sempre assim. Cozinho com a boca e com os olhos. Sou calculista relativamente a cada componente da refeição. Aquisição dos ingredientes, confecção, cerimónia de serviço. Talvez a tarefa que execute com maior primor. Nunca estudei ou trabalhei com tanto preceito quanto o faço em tarefas relativas à cozinha.
Tomo café e fumo o cigarro para dentro da lareira.
Estes dias são… Estes dias são… Não consigo. Não o consigo pronunciar.

Há expressões cuja vida se completa no silêncio.

lindo. lindo!

Excerto lido pelo pai.
Do livro "A Estrada" de Cormac McCarthy.

aos pais que por aqui passam:
Feliz dia do pai!

rituais

Definitivamente, as coisas não estão bem quando, pela segunda vez, tenho de interromper o meu discurso para me desculpar diante dos clientes e da noviça pelo marasmo do meu tino. Dou por finda a manhã. Faço listas mentais com a palavra morte. Assim, evoco Annie Hall e a cena dos livros com a palavra morte no título; esqueço a palavra morte por instantes para me lembrar da história que Woody Allen conta no final: this guy goes to a psychiatrist and says, "Doc, uh, my brother's crazy; he thinks he's a chicken." And the doctor says, "Well, why don't you turn him in?" The guy says, "I would, but I need the eggs." Well, I guess that's pretty much now how I feel about relationships; y'know, they're totally irrational, and crazy, and absurd, and... but, uh, I guess we keep goin' through it because, uh, most of us... need the eggs. Entretanto já estou a entrar no refeitório.
Hoje tenho boa fortuna, encontro o meu canto livre. A sorte impera até ao final da refeição, ninguém veio sentar-se à minha beira. Poupei-me em socialização, porém a barreira ideológica que demarquei não me pareceu ser totalmente eficiente, pois de cada vez que me distraí e levantei o olhar cruzei-me com alguém que me acenou a cabeça sorrindo. Suspeito que o meu silêncio estivesse demasiado espalhafatoso. Damn. Caminhei de volta ao cubículo em marcha de caminhada fantasiando uma corrida. Não fumei.
Eu sei o que é que se passa. Sinto que cheguei à recta final. A uma recta final. Estou diferente. Atenção, não é todos os dias que percebemos mudanças em nós próprios ou nos outros. Estais a ler uma confissão de grande monta. Acabo de declarar o início de uma nova era. Uma era que começou faz algum tempo, mas da qual ainda não havia apontamento oficial por a sua instalação, até à data, não ser inteiramente certa. Assim seja dito: estou diferente, mudei, já não sou a mesma.
Tenho de chorar qualquer coisa que ficou para trás, e tem de ser hoje.
Tem de ser hoje.
Para amanhã planeio descansar a cabeça deste speed de canções ao sabor da estranha ideia de liberdade. E um gin.


cenas perigosas e blogs do dia

Como é? Querem fazer o quê aos cães dos donos perigosos? Os piercings o quê?! Quem? Onde? Como? Quando? Porquê?!
Com a cumplicidade de que povo?!


... os blogs de todos os dias são do Carlos Sousa de Almeida:
Legendas & Etc
- procurem o smilie que vos espreita algures na página
Sobre a Pálpebra da Página
OS 2 PILARES DA CRIAÇÃO

[ A estrada de Cormac McCarthy ] (um livro para se ler em silêncio)

Este é o meu filho, disse. Lavo-lhe o cabelo, sujo com os miolos de um morto. É a tarefa que me cabe. Depois embrulhou-o no cobertor e levou-o até ao fogo.

Sentado, o rapaz titubeava. O homem mantinha-se atento, não fosse ele tombar nas chamas. Com os pés, abriu buracos na areia para as ancas e os ombros do rapaz no ponto onde ele iria dormir e depois sentou-se com ele no regaço enquanto lhe passava os dedos pelos cabelos diante do lume para os secar. Tudo isto como uma qualquer unção imemorial. Assim seja. Evoca as formas. Quando mais nada tens, constrói cerimónias a partir do nada e dá-lhes vida com o teu sopro.


in A Estrada de Cormac McCarthy
tradução de Paulo Faria
Relógio D'Água, Editores
2006

dedicado àquele parvalhãozito que está lá em casa a ocupar o sofá

O
atenção, post com bolinha vermelha: não aconselhado a pessoas vítimas de sentimentos afectuosos para com essa espécie maligna - os gatos -




via Manel , na caixa de comentários da lebre - mais uma semana tio Tom

nota label -vocês sabem lá- surripiada à menina-alice

a tribo e a vala comum

Os nossos dias, aproveitamo-los na morbidez das falas alheias,
esgotamos frequências cuja utilidade não nos cabe discriminar.
Recolhemos ecos desordenados. Demarcamos gavetas p’ra depois

amalgamar em toadas discernidas. Os dias, os mal moídos,
acarretam ricochetes atordoadores das nossas vozes. Ao início

das casas saem corpos com cachola. Atrás do entardecer
nos edifício entranham-se As coisas, em rastejos andróides.
Disformes amassos de linguagens .defuntos .abrimo-nos mutismo.

[ moagem da cachola nos dias úteis - em 1ª pessoa, mas agora do plural]




The Quintet of the Silent, de Bill Viola
2000
Color video on plasma display mounted horizontally on wall

descanse em paz [ mortalha azul ]

Andava a adivinhar que estaria para acontecer em breve um enterro.
... Tal foi, aconteceu esta noite. Fui eu quem fez a cova, outra coisa não seria de esperar. Confesso que ficou um pouco artesanal, formato oval e pouco profunda. Atenção, pouco profunda, mas profunda o suficiente (assim o espero).
A origem do óbito? Não interessa ao assunto que descrevo.
O corpo mantinha as últimas roupas de que o próprio se havia coberto nesse dia de manhã. Sem urna. Dei por mim a olhar cadáver e cova, indecisa. Não tinha coragem de o lançar à terra sem quaisquer rituais. Larguei a pá e corri até ao meu carro. Trouxe a manta azul, a minha linda manta azul. Enrolei o corpo denso da melhor forma em todo aquele azul. Empurrei e puxei o corpo para a sua morada final. Cobri todo o azul de terra. Fui embora.
Não sem antes virar-me para trás e dizer adeus. Adeus.

http://tvfiles.files.wordpress.com/2007/08/sfu.jpg
fotograma de Six Feet Under

[ do verbo mimar-se ]





religião*: deus não só existe como é bom ** [ Hallelujah ]

De acordo com o seu site oficial, Leonard Cohen está de volta a Portugal para um concerto em Julho... via menina-alicinha **

A imagem "http://www.telegraph.co.uk/arts/graphics/2006/09/24/svcohen24b.jpg" não pode ser mostrada, porque contém erros.














a ler provas de contacto sobre Leonard Cohen de João Lisboa, começando (e muito bem) assim:

a ler... mais provas

A tua partida nunca [me] é [demasiado] fácil *



I don't believe in an interventionist God
But I know, darling, that you do
But if I did I would kneel down and ask Him
Not to intervene when it came to you
Not to touch a hair on your head
To leave you as you are

And if He felt He had to direct you
Then direct you into my arms

Into my arms, Oh Lord
Into my arms, Oh Lord
Into my arms, Oh Lord
Into my arms

And I don't believe in the existence of angels
But looking at you I wonder if that's true

But if I did I would summon them together
And ask them to watch over you
To each burn a candle for you
To make bright and clear your path
And to walk, like Christ, in grace and love
And guide you into my arms

Into my arms, Oh Lord
Into my arms, Oh Lord
Into my arms, Oh Lord
Into my arms

And I believe in Love
And I know that you do too
And I believe in some kind of path
That we can walk down, me and you
So keep your candle burning
And make his journey bright and pure
That he will keep returning
Always and evermore

Into my arms, Oh Lord
Into my arms, Oh Lord
Into my arms, Oh Lord
Into my arms


coisas que cabem dentro de um dia [ F***-** ]


retiro [ capítulo I ]

Ansicht Kegelgasse - Foto: Copyright © 2003 Glenn Bristol
habitação em Viena por Friedensreich Hundertwasser
Fotografia © 2003 Glenn Bristol

(tempo de)

Tenho uma farpa na mão esquerda. Tenho um arranhão na mão direita. Tenho as mãos infectadas. Tenho meias tarefas. Tenho fé. Tenho fé na voz do Tom Waits. Estou a tentar magicar uma tarefa gaga há cerca de vinte minutos, mas não consigo parir tão-pouco uma sílaba. Quando a luz está crua, nestes dias crus, sinto os abandonos. É demasiado branco para um céu mortificado de cinza. Molhado.
Insisto na tarefa gaga. Mastigo uma boca cheia de amêndoas a tentar ignorar a humidade. Penso nos homens e nas mulheres da repartição. Aumento a intensidade. Used songs. Obsessão. Casa. Levanto-me para estender roupa. Volto a sentar-me. De súbito. Tom Traubert's Blues. Caem largas águas pelo meu corpo. Repentina e espantada, ponho-me a lamber os cacos. Sinto força para recuperar cacaréus que coleccionei ao longo destes longos anos. Faço replay. Deixo-me desafogar de choro enquanto arranco a farpa e faço o curativo a ambas mãos.
Assusta-me a resiliência.



Union, de Bill Viola
2000
two channels of color video on two plasma displays mounted side-by-side, vertically on wall

[ sobre ganas ]





Sobre o medo
Sobre a revolta
Sobre a ilusão
Sobre a desilusão
Sobre a traição
Sobre o medo
Sobre a bondade
Sobre o erro
Sobre os erros
Sobre a amizade
Sobre a confiança
Sobre a rede
Sobre tudo
Sobre nada
Sobre os rituais
Sobre o recobro

Sob a chuva.




Amor de Gustav Klimt
1895

mercado do quebra costas

clicar na imagem para visualizar melhor o cartaz


mau feitio
Rua Quebra Costas, nº42/44
3000-340 Coimbra

aniversário com arte

6ª feira, 07 de Março



6º aniversário - Café com Arte, Avenida Elísio de Moura, Coimbra

da série "acontecimentos cuja realização preferiria ignorar uma vez que não poderei estar presente" [(espero que chova lá dentro) ranhosos!]

clicar na imagem para visualizar melhor o cartaz

(ranhosos!)

concurso!

ali

há prémio!

do piorio

estar cansada


... e entristecer por estar cansada

pluto surripiado ali

absorver. obsceno. lateral. caminho. fuga. meio.

É dia 5 e o tempo já parece encurtar, durante este mês, dentre as habituais tarefas, tenho de:

# preparar-me para 15 horas de crucificação lenta, agendadas para a primeira semana de Abril.
# preparar-me para uma discussão irritantemente cheia de sorrisos (que prevejo infrutífera) na segunda semana de Abril.
# pôr mãos na massa dum projecto que anseio e do qual sei que me irei arrepender uma centena de milhar de vezes até estar terminado.
# tomar uma decisão daquelas
# e… fazer a pega final ao bode.

Portanto, parece-me o timing certo para aceitar o convite de participação em… mais um blog!
...pronta para a chamada, c ;)

René Magritte por Lothar Wolleh
Bruxelas, 1967

Apocalipse

Novos máximos históricos. Oiço enquanto em paralelo cantarolo "O mestre-sala dos mares" tentando ignorar a minha voz. Oiço ao mesmo tempo que entrego a chave ao funcionário simpático e lhe peço gasóleo sem chumbo '95. Aconteceu em Londres esta tarde, um novo máximo histórico dos danados dos barris que fazem girar o globo. O lusco-fusco finda. Exercito-me, num instante estou dentro do azul de Yves Klein. Esta coisa resume-se quase todos os dias. Por vezes penso que jamais solucionarei a coisa. Quase todos os dias consigo completar o enigma. Hoje, por exemplo, fiz e refiz o quebra-cabeças. Estou cansada, pois. Amanhã marco férias. Amanhã vou à farmácia. Amanhã lavo as mãos. Lavemos as mãos. Estamos rodeados de filhos-da-puta. Este mundo está cheio de muitos os outros. Os inocentes são culpados de outros crimes.
Agora cantarolo "Nobody does it better" (versão Thom Yorke). Tentando ignorar a minha voz. Depois lembro "Into my Arms" e aguardo lágrimas. É o mínimo, chorar. Acho indecente não chorar. Tenho de resolver isto. Praticante do mal-menor estamos todos sós, acérrima defensora de que inocentes são culpados de outros crimes, agora lembro "É mais fácil um camelo…".
Oh - suspiro profundo - céus, mulher, desacelera!
Inspiro. Expiro. Inspiro. Expiro. Rio. Rio a brincar ao contrário de que o inferno são os outros. Rogo para que não contem comigo. Chama-se a isso: o preço.
Estamos sempre a atingir novos máximos. Históricos.

Zach Condon (Beirut) de Tony Nelson
[ canta para mim, toca, dá-me música ]



algumas referências ~ ring-around-a-rosie ~ É mais fácil um camelo ~ O Fugitivo ~ Beirut ~

inveja, eu?! até parece! (pfff )


fotografia de vestido feio* da ana c.
in Az uma carta aka isto é o que hoje é

* >:(

Maria Gabriela Llansol

1931 ~ 2008



no acknowledge yourself
no insónia
n'Os livros ardem mal
à deriva

sem referências encontradas ao autor da fotografia

Les Uns et les Autres

no sábado vi o documentário na televisão
o rosto dos soldados que interrogaram homens
no Iraque no Afeganistão
o ar crispado de quem não era suposto ser julgado e passar uns tempos na prisão
olhei o Mal o cinismo a ignorância a ignomínia as botas cardadas
a pele exposta sem outro camuflado que não o do medo
as discussões abstractas infames dos generais dos secretários de estado
o gozo primário dos raciocínios do presidente os esgares
aprendi sobre a humanidade de dormir quatro horas ou apenas duas
preso pelos pulsos ser espancado até ao homicídio à exaustão
perguntei-me se dessa morte lenta já terão padecido em número suficiente
olho por olho dente por dente mortos para saciar os profetas do medo
as vozes do apocalise os senhores de todas as guerras
os que hesitaram na resposta à pergunta se seria legítimo
pontapear os testículos do filho de um homem
a quem se quer extorquir uma qualquer informação
será que já são tantos quantos os que arderam nas torres gémeas
tantos quantos os que morrem pelas ruas de Bagdad
tantos quantos os rockets sobre as praias de Israel e de Gaza
será que já chegam será que não
será que serei capaz de me levantar da náusea que me asfixia
lavar-me do nojo
será que serei capaz de descobrir a cara
de remover este véu de vergonha
será que não.

Blue aka Cláudia Santos Silva


fotograma de Les Uns et les Autres
momento em que se anuncia o início da 2ªGuerra Mundial

Les Uns et les Autres

(the last but not the least)

este bando selecto de 77 000 000 000 de idiotas de primeira apanha

Sorvendo a borra da sua própria chávena, Sabbath levantou finalmente o olhar do submerso erro crasso que era o seu passado. Por acaso o presente também estava em curso, construído dia e noite como os navio-transporte de tropas em Perth Amboy durante a guerra, o venerável presente que recua até à Antiguidade e prossegue a direito da Renascença até hoje – era a esse presente sempre-a-começar e interminável que Sabbath renunciava. Acha repugnante a sua inexauribilidade. Só por isso devia morrer. E depois, que importa que tenha levado uma vida estúpida? Qualquer pessoa com alguma inteligência sabe que está a levar uma vida estúpida mesmo enquanto está a levá-la. Qualquer pessoa com alguma inteligência compreende que está destinada a levar uma vida estúpida porque não há outra espécie de vida. Não existe nada de pessoal nisso. No entanto, lágrimas infantis marejam os seus olhos quando Mickey Sabbath – sim o Mickey Sabbath, daquele bando selecto de setenta e sete mil milhões de idiotas de primeira apanha que constituem a história humana – diz adeus à sua unicidade com um meio entaramelado e profundamente dolorido «Quem liga a mínima?».

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000


fotografia de cj aka Monsieur Bonirre in pescada nº5

(curtas de Mickey Sabbath)

Imaginem então a história do mundo. Somos desmesurados porque a dor é desmesurada, tantas centenas e milhares de géneros de dor.


in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000

dilúvio de sentimento genuíno

(…) e Sabbath deitou-se sobre a campa e soluçou como não tinha podido fazer no funeral.
Agora que ela desaparecera para sempre parecia-lhe incrível que, nem mesmo quando tinha sido o amante muito louco e enrabichado, antes de Drenka se ter tornado um absorvente passatempo para se divertir com ela, foder com ela, conspirar e tramar com ela, parecia-lhe incrível que nem mesmo então tivesse pensado em trocar a torturante chatice de uma Roseanna alcoólica e assexuada para casar com alguém cuja afinidade com ele não tinha paralelo com a de qualquer outra que conhecera fora de um bordel. Uma mulher convencional capaz de fazer tudo. Uma mulher respeitável suficientemente guerreira para contrapor à dele a sua audácia. (...) E ele nunca fizera a mínima ideia disso. Nunca, em treze anos, se cansara de olhar pela sua blusa abaixo ou pela sua saia acima, e mesmo assim nunca fizera a mínima ideia!
Agora esse pensamento arrasou-o. Ninguém acreditaria que o escandaloso conspurcador da cidade, o porcalhão do Sabbath, fosse capaz de um tal dilúvio de sentimento genuíno.

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000

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fotografia de Salamandrine aka Sandra Ferrás



(curtas de Mickey Sabbath)

Porra, acontecia sempre alguma coisa para levar as pessoas a continuarem a viver!

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000

A fronteira

«Mais», rogara, «mais», mas por fim ele caiu para trás com uma colossal dor de cabeça e disse-lhe que não podia continuar a arriscar a vida. Tinha-se sentado pesadamente, pálido, a transpirar e ofegante, enquanto ela prosseguia sozinha a sua demanda. Nunca tinha visto nada assim. É como se estivesse a lutar contra o Destino, ou com Deus, ou com a Morte, pensara; como se, se conseguir ultrapassar mais uma, nada nem ninguém a possa deter de novo. Parecia encontrar-se numa espécie de estado de transição entre mulher e deusa e ele teve a estranha sensação de ver alguém a deixar este mundo. Ela estava prestes a elevar-se, a elevar-se mais e mais, tremendo eternamente no supremo frémito delirante, mas em vez disso alguma coisa a deteve e um ano depois estava morta.


in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000



Dead Girl de Egon Schiele
1910

(curtas de Mickey Sabbath)

Não, a vida humana não pode ser extinta. Ninguém seria capaz de inventar nada parecido, outra vez.

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000

entretenimento

Eram inumeráveis todos os grandes pensamentos que não entendera; o que ele não tinha para dizer acerca do significado da sua vida era um poço sem fundo. E uma coisa divertida é supérflua – o suicídio é divertido. Não são muitos os que têm consciência disso. Não é instigado pelo desespero ou pela vingança, não nasce da loucura, ou da amargura, ou da humilhação, não é um homicídio camuflado ou uma demonstração grandiosa de auto-abominação: é o retoque final da anedota em voga. Ele considerar-se-ia um falhado ainda maior se se apagasse de qualquer outro modo. Para alguém que adora uma piada, o suicídio é indispensável. Para um fantocheiro, especialmente, não há nada mais natural; desaparecer atrás do biombo, enfiar a mão e, em vez de actuar como ele próprio, acabar como o fantoche. Pensem nisso. Não há nenhuma outra maneira mais absolutamente divertida de partir. Um homem que quer morrer. Um ser vivo que escolhe a morte. Isso é entretenimento.

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000


Attempted suicide machine de Makato Aida
2001

(curtas de Mickey Sabbath)

A incapacidade de morrer. Ir ficando, em vez disso. Este pensamento excitou intensamente Sabbath: a perversa insensatez de permanecer, de não ir.

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000