sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com

citação do dia

plus ça change, plus c'est la même chose


A dor dos outros

Disse-lhe bonjour tristesse, depois compus-me de intelecto actuante e orientei a comoção. Não me derramei em sorrisos sem cessar, nunca foi disso que se tratou no assunto.
Olhei à minha volta e continuei a reconhecer que o caminho é este, sempre este. A nossa memória entra no meio desta jigajoga, esconde-se, e nós ao redol andamos, até encontrar as variações que nos acordam. Eu já havia escrito isto: a vida já valeu a pena, há muito tempo. Quero mais. A emoção tem razão, não se pode tolher a vida. A minha escolha é  sadia. Quero mais.
O saber: despite the music, you & I, we're gonna be alright. Hallelujah. 

Redacção

O Outono, este Outono


O Outono chegou, é este Outono, não é o do ano passado que foi sereno (e não adivinhava) nem é o que virá (se vier). Este Outono.

nota: Não interessam as redundâncias desta redacção pois não haverá uma “senhora professora” a corrigi-la. Serve a presente apenas para ritualizar o início deste Outono. Assim seja.

O Outono chegou e com ele a trégua. A trégua chegou e nem por isso.
O Outono chegou, já há árvores com folhas avermelhadas e amareladas. Algumas dessas folhas já caem. As vindimas findam e voltei à escola. O ar cheira ao frio novo e suave. Apetece fazer planos de passeios pela zona de Montemor-o-Velho para fotografar o Outono, após um piquenique preparado com todos os preceitos que se vai comer ao parque de merendas das ruínas de Conímbriga. Aparecerá um cão ou um gato que nos pedirá partilha da comida, que partilharemos, pois claro. Levaremos livros, e vinho, e lápis de cor, e as câmaras fotográficas. Sorriremos e daremos muitos beijinhos. Falaremos das coisas, poderemos ficar sisudos durante alguns minutos consoante o assunto das coisas. Depois suspiraremos e pensaremos que nos temos um ao outro. Que bom!
O Outono chegou e com ele a trégua? Eu chamo-lhe trégua um bocado a medo (embora agora tenha tido a coragem de a escrever três vezes neste texto). Na verdade, é apenas o coração a teimar em acomodar-se um pouco.
O Outono chegou e trouxe os costumes habituais. E isso é bom. Este fim-de-semana colocaremos as cortinas, desenrolaremos os tapetes, enfim, cumpriremos os cerimoniais de preparação para o que há-de vir: o Inverno.
Porém o meu coração (que negligencia as palavras vãs) não se curvará.

É assim que neste Outono sorrio e dou muitos beijinhos.


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ilustração de

(hoje leio Herberto Helder com a minha voz em alta) - ESTILO -

- Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio… Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro… Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobre a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida…compreende?… a nossa vida, a vida inteira, está ali como… como um acontecimento excessivo… Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação. Faço-me entender? Não? Bem, não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam. Depois, por meio de uma operação intelectual, dizemos que esses tópicos se encontram no tópico comum, suponhamos do Amor ou da Morte. Percebe? Uma dessas abstracções que servem para tudo. O cigarro consome-se não é?, a calma volta. Mas pode imaginar o que seja isto todas as noites, durante semanas ou meses ou anos?

Uma vez fui a um médico.

- Doutor, estou louco – disse. – Devo estar louco.
- Tem loucos na família? – perguntou o médico. – Alcoólicos, sifilíticos?
- Sim senhor. O pior. Loucos, alcoólicos, sifilíticos, místicos, prostitutas, homossexuais. Estarei louco?
O médico tinha sentido de humor, e receitou-me barbitúricos.

- Não preciso de remédios – disse eu. – Sei histórias tenebrosas acerca da vida. De que me servem barbitúricos?

A verdade é que eu ainda não havia encontrado o estilo. Mas ouça, meu amigo: conheço por exemplo a história de um homem velho. Conheço também a de um homem novo. A do velho é melhor, pois era muito velho, e que poderia ele esperar? Mas veja, preste bem atenção. Esse homem velhíssimo não se resignaria nunca a prescindir do amor. Amava as flores. No meio da sua solidão tinha vasos de orquídeas.

O mundo é assim, que quer? É forçoso encontrar um estilo. Seria bom colocar grandes cartazes nas ruas, fazer avisos na televisão e nos cinemas. Procure o seu estilo, senão quer dar em pantanas. Arranjei o meu estilo estudando matemática e ouvindo um pouco de música. – João Sebastião Bach. Conhece o Concerto Brandeburguês n.º 5? Conhece com certeza essa coisa tão simples, tão harmoniosa e definitiva que é um sistema de três equações a três incógnitas. Primário, rudimentar. Resolvi milhares de equações. Depois ouvia Bach. Consegui um estilo. Aplico-o à noite, quando acordo às quatro da madrugada. É simples: quando acordo aterrorizado, vendo as grandes sombras incompreensíveis erguerem-se no meio do quarto, quando a pequena luz se faz na ponta dos dedos, e toda a imensa melancolia do mundo parece subir do sangue com a sua voz obscura… Começo a fazer o meu estilo. Admirável exercício, este. Às vezes uso o processo de esvaziar as palavras. Sabe como é? Pego numa palavra fundamental. Palavras fundamentais, curioso… Pego numa palavra fundamental: Amor, Doença, Medo, Morte, Metamorfose. Digo-o baixo vinte vezes. Já nada significa. É um modo de alcançar o estilo. Veja agora esta artimanha:

As crianças enlouquecem em coisas de poesia.
Escutai um instante como ficam presas
no alto desse grito, como a eternidade as acolhe
enquanto gritam e gritam.
(…)
- E nada mais somos do que o Poema onde as
crianças
se distanciam loucamente.
Trata-se do excerto de uma poesia. Gosta de poesia? Sabe o que é poesia? Tem medo da poesia? Tem o demoníaco júbilo da poesia?

Pois veja. É também um estilo. O poeta não morre da morte da poesia. É o estilo.

Está a ouvir como essas enormes crianças gritam e gritam, entrando na eternidade? Note: somos o Poema onde elas se distanciam. Como? Loucamente. Quem suportaria esses gritos magníficos? Mas o poeta faz o estilo.

Perdão, seja um pouco mais honesto. Seja ao menos mais inteligente. Vê-se bem que não estou louco. Eu, não. As crianças é que enlouquecem, e isso porque lhes falta o estilo.

Sabe de que lhe estive a falar? Da vida? Da maneira de se desembaraçar dela? Bem, o senhor não é estúpido mas também não é muito inteligente. Conheço. Conheço o género. Talvez eu já tivesse sido assim. Pratica as artes com parcimónia: não a poesia, mas as poesias. Cultiva-se, evidentemente. Se calhar está demasiado na posse de um estilo. Mas, escuta cá, a loucura, a tenebrosa e maravilhosa loucura… Enfim, não seria isso mais nobre, digamos, mais conforme ao grande segredo da nossa humanidade?

Talvez o senhor seja mais inteligente do que eu.


Herberto Helder in Os Passos Em Volta

eu hoje acordei assim (tradução rápida: acordei com "cold feet")


As parvoíces em que temos de nos meter para chegarmos onde temos de chegar, a extensão dos erros que precisamos de fazer! Se nos informassem antecipadamente de todos os erros, diríamos não, não posso fazer isso, têm de arranjar outro qualquer, eu sou demasiado esperto para fazer essas asneiras. E responder-nos-iam, nós temos confiança, não te preocupes, e nós responderíamos não, nada feito, precisam de um schmuck muito maior do que eu, mas eles repetiriam que têm confiança que somos a pessoa indicada, de que evoluiremos para um schmuck colossal mais conscienciosamente do que podemos começar sequer a imaginar, de que cometeremos os erros numa escala que nem podemos sonhar agora: porque não existe nenhuma outra maneira de atingir o fim.

in Teatro de Sabbath de Philip Roth
Publicações dom Quixote, Colecção Ficção universal
2000


imagem: still dessa maravilha da natureza que é o Johnny Deep no filme Dead Man de Jim Jarmusch...



replay de post

os amantes têm mãos a menos*



fotograma de sous le sable de François Ozon


* Gonçalo M. Tavares

quanta honra!

o mesmo post, dedicado a mim e... ao joão peste
 Sendo aclamado
Filipa... obrigada, obrigada, obrigada! [modo Amália]


Obrigada, à la rentrée.


Ontem tive aquilo a que, se quisermos chamar os bois pelos nomes, se chama “Um dia de Merda”.
Fartei-me de rir, é verdade, à custa de lançar um repto aos amigos que acorreram a fazer-me gargalhar. Quase como um bebé a dobrar riso, juro. Cócegas no meu peito, à distância.
Ontem foi um dia só (só) como há muito não tinha. Que dor.
Na noite anterior não consegui pregar olho. Já fui informada de que o meu mal não é exclusivo, queixa-se o amor, queixam-se os clientes, queixam-se os colegas e os amigos, até o gato, vejam lá…
Pois é, e esta cachola começa a rodopiar com falta de descanso.
Depois... este sitio onde trabalho é verdadeiramente um sugador, mas, enfim, simultaneamente um injector de princípios e fins tão cheios de verdade que uma pessoa se vicia e acaba por decidir acatar com os males da sucção de vida a que nos sujeita só para poder estar aqui.
Ainda tenho a felicidade de ter quem me ature, é o que é. E ontem foi assim.
Não obstante, chorei que me desunhei. Assim que o ponteiro grande acertou no 12, corri a sujeitar-me ao controlo biométrico, desci à garagem, entrei no carro (que pus a trabalhar), cometi todas as manobras automóveis que me conduziram a casa, meti a chave na porta, rodei-a, disse “olá, bebé” ao gato (devo tê-lo beijado, não me lembro) e corri escadas acima, rodei a maçaneta da porta do quarto (que roda no sentido dos ponteiros dos relógios) e saltei para cima da cama. Adormeci a chorar e acordei a chorar.
Não é que me esteja a queixar. Não.
Foi assim.
A noite não me deu tréguas, não é ainda aqui que acabo a história do dia de ontem , um dia só (só). Tive um (o) pesadelo com a palavra mãe e mais uma vez acordei em pranto a molhar os cabelos. A minha cama outrora pequena estava agora enorme de novo. E eu só (só). Aconchego-me na almofada que não é minha e espero. Dói-me a barriga. Não tomo fármacos. Aguento. Chegam os braços todos do mundo a casa e partem-se à minha volta. Finalmente adormeço e acordo para mais um dia. Acordei com a dor do pesadelo neste peito que carrego cheio de voz (ao ser escrita a palavra, ainda me deixa de beicinho) mas acordo a cantar e a dançar - Vitor Espadinha - Recordar é Viver (já não é Agosto, eu sei, mas é sempre tempo para acordar com estes vaipes)
Lanço-me ao dia com pouca desconfiança pois já lhe conheço bastante as manhas. E dou com uma despedida? Sei que é um pedaço de gente (tão) bonito, tanto quanto anónimo, como eu:
Bem, eu não trato as minhas olheiras, tenho-lhes uma certa afeição, assim como aos cabelos brancos. Talvez por ter uma idade intermitente, não sei.
Sei que estou gira, pois sirvo muito de entretenimento a mim própria e isso deve significar que estou gira.
Estranho, estranhava (pois ando parada), também e naturalmente, essas coisas dos ditos acerca dos meus relatos. Sempre o espanto dentro do espanto!
Nunca escrevi um livro, nunca tive um filho, mas plantei árvores satisfatórias em compensação.
Viver intensamente é a única forma que conheço. Começo, desenvolvo, acabo. Tudo grande. É um vício? Não sei. (é). É o meu trejeito.

Ultimamente aprendi uma série de coisas:

- a pedir ajuda :) e dei por mim a recebê-la!
- a saber a recuperação, e coisas sobre ela em mim e eu nela
- a reconhecer velocidades (celeridades, será o termo correcto) acerca do equilíbrio (coisas da recuperação)
- a amar mais e mais e mais
- e aprendi também a continuar no espanto do amor recebido
- e que posso fazer parte também das feições do fazer bem, seja o que for “o préstimo”: eu também o sei fazer!

Terei saudades, Mónica.
Fiquei sentida quando escreveste um título triste sobre aquela que é agora a minha casa – Coimbra, mas sou agora uma menina grande, e não deixo cair dentes, faço beicinho mas recupero em celeridades razoáveis. Beijos e abraços a ti e a todos.  
O meu blog não acaba aqui, não sei. Sê feliz e faz o bem. (sim, fazer o bem, por cá tentarei o melhor, sim) Ele vem em dobro. Estou a rir. É a verdade.
Bom dia, Mónica Marques, bom dia, mundo. Estamos aqui para o que der e vier!
Estou a rir. É a verdade.


ping! :)

a propósito de amigos, e porque sim, chamo o Henrique à cabine de som :P